Resenha de filmes diversos tratando do papel da imprensa
Newton Ramalho Junior
Desde os primeiros dias do cinema como indústria
de lazer e informação, tem sido feitos inúmeros filmes
onde a imprensa, em todas as suas expressões tem uma participação
importante. A partir de quando surgiu a Arte, existe o axioma de que ela
imita a vida, embora em alguns casos dê a impressão de que
a Arte é que imita a vida. O exemplo mais clássico disso
foi a acidente na usina nuclear de Three Miles Island, ocorrido na estréia
do filme Síndrome da China, que tratava exatamente deste assunto.
É importante observar que a imprensa é
tratada na cinematografia americana ora como herói, hora como vilão,
mas sempre tem um rosto, um aspecto humano, e como consequência,
com virtudes e defeitos inerentes à condição humana.
Contudo, um aspecto sempre presente em qualquer filme destes, é
que a imprensa é considerada como a saída para a salvação
contra os poderosos, principalmente quando o inimigo é o próprio
poder público. Esse é um aspecto que nos é um pouco
estranho, pois para o brasileiro, os principais órgão de
imprensa ou pertencem a grupos políticos ou estão sempre
alinhados com quem estiver no poder.
Mas, voltando aos filmes, poderíamos citar alguns filmes em três grupos onde a) a atuação foi de herói, b) atuação como vilão e c) auto-crítica quanto ao seu papel no mundo. Do primeiro grupo, podemos citar:
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- Todos os homens do presidente ( All the president’s
men, 1976, EUA) Direção de Alan Pakula, com Robert Redford
e Dustin Hoffman representando Carl Bernstein e Bob Woodward, jornalistas
do Washington Post, que investigavam a invasão da sede do Partido
Democrático, ocorrida durante a campanha presidencial nos Estados
Unidos em 1972. O trabalho deles resultou numa situação política
que obrigou o presidente Richard Nixon, do Partido Republicano, a renunciar
em 1974. Drama político que retratou o assim denominado escândalo
de Watergate. No filme fica bem salientada importância de fontes
fidedignas e a paranóia que envolvia os que desafiavam o poder.
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- Síndrome da China ( China Syndrome, 1979,
EUA) Direção de James Bridge, com Jane Fonda, Jack Lemmon
e Michael Douglas. Uma repórter e um cinegrafista de TV fazem uma
reportagem em usina nuclear no momento em que ocorre um acidente. A empresa
insiste em informar que não se trata de nada grave, mas os dois
jornalistas lutam para levar ao público as reais dimensões
da tragédia e, por isso são perseguidos, e o funcionário
que denunciou a situação foi morto pela SWAT. Pouco depois
de lançado o filme, deu-se o vazamento radioativo na usina nuclear
de Three Miles Island, nos Estados Unidos, seguido alguns anos mais tarde
pelo de Chernobyl, na União Soviética.
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- Sob fogo cerrado ( Under Fire, 1983, EUA) Direção de Roger Spottiswoode, com Nick Nolte, Gene Hackman, Joana Cassidy, Ed Harris e Jean-Louis Trintignant. Correspondentes de guerra americanos envolvem-se em maquinações políticas de sandinistas e somozistas durante a revolução que derrubou Anastásio Somoza, em 1979. Complexo e absorvente, com visão imparcial ( coisa rara para os padrões de Hollywood), dois pontos são levantados no filme: o líder rebelde morto é fotografado como se ainda estivesse vivo, influenciando no moral das tropas e a morte de um jornalista é documentada por este mesmo fotógrafo. Essa última seqüência é baseada num fato verídico, que provocou o afastamento dos Estados Unidos do governo de Somoza. Uma frase de uma personagem marca bem o espírito do filme: "Já morreram 40.000 nicaraguenses e ninguém fez nada. Talvez com a morte deste americano as coisas venham a mudar". |
- Dossiê Pelicano Dois juízes da Suprema
Corte americana são assassinados: Rosemberg, famoso por defender
causas liberais, e Jensen, suspeito de tendências homossexuais. Um
único assassino: terrorista, procurado em nove países diferentes,
implacável, a serviço de um mandante insuspeitado. A motivação
dos crimes é desconhecida. Quando a estudante de direito Darby Shaw
apresenta uma hipótese para o namorado e professor, Callahan, este
é morto, e ela torna-se o próximo alvo dos misteriosos assassinos.
A única ajuda vem de um jornalista respeitado, que investiga com
ela os meandros do caso.
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- O ano que vivemos perigosamente ( The Year of
Living Dangerously, 1983, AUS), dirigido por Peter Weir, com Mel Gibson
e Sigourney Weaver. Uma brilhante exposição da Indonésia
durante a revolução de 1965, mostrada através do ponto
de vista de um inexperiente porém ambicioso reporter, determinado
a mostrar a história dos últimos momentos de Sukarno no poder.
O filme mostra a face cruel da revolução, com suas execuções
absurdas, sendo até hoje proibida a sua exibição na
Indonésia.
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- Bom dia, Vietnã! ( Good morning, Vietnan!,
1987, EUA) Direção de Barry Levinson, com Robin Williams
num dos papéis mais brilhantes de sua carreira, interpretando o
personagem real Adrian Cronauer. Em 1965, início da intervenção
militar massiva dos Estados Unidos no Vietnã, Cronauer vai trabalhar
como disc-jóquei na rádio do Exército americano em
Saigon. Irreverente, sarcástico e antimilitarista, o personagem
denuncia a propaganda de guerra, as mentiras dos comunicados militares
e muda a programação musical oficial, trocando as polcas
pelo rock. É perseguido pelos oficiais diretores da rádio,
embora se torne querido dos soldados. Esse filme mostra com saudável
simplicidade o absurdo da guerra e da inimizade entre os povos. É
um dos raros filmes que consegue unir o prazer da diversão com a
seriedade do tema. Cronauer hoje é sargento reformado da Força
Aérea e ocupa cargos importantes em associações de
veteranos da guerra do Vietnã.
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Uma boa parte dos filmes, mesmo quando o tema central
não tem muito a ver com a imprensa, esta é estereotipada
na forma do jornalista ávido por fama, que quer colocar a notícia
no ar sem se preocupar com as conseqüências desse ato ou com
os meios utilizados para obter essas notícias. Alguns exemplos simples
são Duro de Matar e Duro de Matar II ( onde um jornalista de televisão
arrisca a vida de reféns para obter um furo), Pânico ( onde
uma jornalista pesquisa exaustivamente a morte de uma mãe de família,
sugerindo aventuras extraconjugais), Godzilla ( onde uma repórter
iniciante usa o ex-namorado para obter informações reservadas),
O Pagador de Promessas (onde um humilde lavrador é usado como chamariz
de um jornal, sendo-lhe atribuídas opiniões sobre temas desconhecidos,
como reforma agrária, culminando numa tragédia pessoal),
Beijo no Asfalto ( onde um cidadão comum tem sua vida virada pelo
avesso pela imprensa marrom e o preconceito ao ter um gesto de solidariedade
interpretado como homossexualismo) e muitos outros. Em todos esses, coloca-se
como valor maior da imprensa a publicação da notícia,
acima da ética ou de qualquer outra condição humana.
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- Cidadão Kane (Citizen Kane; EUA, 1941), dirigido por Orson Welles. Um bibelô de vidro se espatifa no chão enquanto ouvimos uma voz sombria dizer: "Rosebud". Esta é a primeira cena do filme Cidadão Kane, aclamado por críticos do mundo inteiro como o melhor filme de todos os tempos. Charles Foster Kane, o personagem principal, teria sido um homem de grande notabilidade no cenário político dos Estados Unidos do início do século. Dono da rede de jornais Inquirer, tinha o poder de manipulação conferido a qualquer grande instituição da imprensa. Sendo assim, a sua morte, no início do filme, gera um rebuliço no país, o que se agrava pelo mistério despertado por sua última palavra antes de morrer. Um repórter, em busca de um significado para "Rosebud", vasculha o passado de Kane entrevistando as cinco pessoas que foram mais ligadas a ele. |
Cada uma relata a história do seu jeito,
mas o objetivo do filme nem é elucidar quem foi ou o que fez Kane
exatamente, mas sim apresentá-lo ao mundo nas suas diferentes versões,
e enlouquecer críticos e cinéfilos na tentativa de interpretar
essa personalidade tão complexa. O lançamento do filme foi
marcado por polêmicas: a figura de Charles Foster Kane atingiu magnatas
americanos que se sentiram ofendidos pela suposta representação
que estaria sendo feita deles no filme; e Orson Welles, diretor e ator
principal, já era uma figura controvertida pois, com apenas vinte
e três anos, tinha feito o país tremer com uma transmissão
de rádio anunciando uma invasão alienígena. Porém,
o que realmente fez de Cidadão Kane um marco do cinema foi o domínio
que seu diretor tinha da linguagem cinematográfica. Welles criou
uma nova forma de se fazer cinema: entrecortar o enredo com flashbacks,
utilizar a profundidade das cenas, montar contrastes impressionantes entre
o claro e o escuro. Essas e muitas outras são inovações
que talvez hoje passem despercebidas nos filmes modernos, mas só
começaram a existir depois de Cidadão Kane.
- Fotografando a morte ( Shooter, 1988) dirigido por Gary Nelson com Jeffrey Nordling e Helen Hunt. Produção feita para a televisão. "Shooter," codinome de Matt Thompson, aka Gruwald é um fotógrafo trabalhando como correspondente de guerra em Saigon, Vietnã, no ano de 1967. Trabalhando para uma agência de notícias, Thompson envolve-se nas vidas dos soldados que conhece e fotografa. É um admirador fervoroso de Robert Capa, um dos maiores fotojornalistas de todos os tempos, e o primeiro correspondente de guerra a morrer no Vietnã. Sua maior ambição é produzir uma foto semelhante à de Capa, na revolução espanhola, quando fotografou o momento exato da morte de um rebelde. O grande questionamento moral e ético que é passado ao espectador é se, conseguir essa foto justifique a morte de um compatriota. Ele cria um personagem imaginário, Gruwald, cujas fotos são mais admiradas que as suas, chegando ao ponto da fantasia se tornar mais real que ele mesmo. Existem outros personagens periféricos, como Klause, um fotógrafo alemão que rouba Budas, Rene, um fotógrafo francês que anda com uma AK-47, Stork, extremamente supersticioso e um outro repórter de televisão, que é impiedosamente caricaturado no filme como plagiador e manipulador de reportagens. O filme critica a manipulação das informações
pelos órgãos oficiais e pela própria imprensa, além
de questionar os valores pessoais dos reporteres, quando o "furo" de reportagem
tem um peso muito maior que o objeto de que se está tratando.
Um dos maiores filmes sobre o papel da imprensa é
O quarto poder ( Mad City, 1997) dirigido por Costa-Gravas, com Dustin
Hoffman, John Travolta e Alan Alda. Max Brackett (Hoffman) era um dos melhores
reporteres investigativos de uma grande rede de televisão. Agressivo,
incansável e inteligente, ele era um expert em conseguir primeiro
a história que o público queria ver e ouvir. Mas, mesmo Max
tinha seus limites: quando Kevin Hollander (ALAN ALDA), o veterano âncora
da rede insistiu com ele no ar para descrever e mostrar a carnificna após
uma queda de um avião, Max explodiu estando no ar, enquanto era
assistido de costa a costa. Após esse incidente, Max Brackett foi
obrigado a fuçar histórias na pequena Madeline, Califórnia,
muito longe da grande rede em que depositara sua carreira e sua vida. Nessa
situação, ele faria qualquer coisa para voltar para New York,
de volta a sua antiga vida.
Sam Baily (Travolta) cresceu em Madeline. Após o secundário, entrou na Força Aérea com o sonho de pilotar aviões. Contudo, sua educação deficiente tornou esse sonho impossível. Sam retornou para casa, casou e conseguiu um trabalho como guarda de segurança do museu local de História Natural. Tinha dois filhos e viva uma vida modesta e tranquila. Até o dia em que perdeu o emprego. A chefe de Sam, Sra. Banks (BLYTHE DANNER), tinha
que cortar despesas no museu e o emprego de Sam foi o que ela decidiu cortar.
Não apenas ela recusava-se a reconsiderar a decisão, como
nem ao menos discutia coisa alguma com Sam. Este estava tão aterrorizado
que nem contou para a esposa. Tudo o que queria era ter o seu emprego de
volta.
Max e Sam - um tinha visto o mundo e o outro não conseguia nem imaginá-lo. Um tinha feito a vida na televisão e outro apenas era mais um escravo de seu apelo hipnótico. Um era livre de qualquer envolvimento pessoal, enquanto o outro era movido pelo amor de sua família. Eles aparentavam estar em lados opostos, mas Max
e Sand, por baixo da casca, eram muito mais parecidos que desejariam admitir.
Ambos haviam perdidos seus lugares no mundo e ninguém parecia se
importar. Ambos tinham feito o melhor que podiam, mas não fora suficiente.
Max e sua jovem e idealista assistente Laurie estão
visitando o museu para entrevistar a sra. Banks, quando Sam aparece para
mais uma vez implorar seu emprego de volta. A gerente é irredutível,
e Sam saca uma arma da bolsa, prenunciando uma tragédia. Mas, Max
vê tudo de outro ângulo, e através do telefone entra
em contato com a redação. Para ele é uma história,
e uma boa história nunca é uma tragédia para um repórter.
Essa pode ser a sua passagem de volta para a primeira divisão, se
fizer tudo certo. Em pouco tempo Max está irradiando a história
de seu sequestro ao vivo, com a ajuda da assistente no caminhão
de apoio. Em poucas horas, o país inteiro assiste o embate com a
respiração presa. Max sabe que quanto mais tempo mantiver
a atenção, maior será a influência em sua carreira
pessoal.
Mas, nenhum deles tinha idéia do poder da
imagem que criaram. Embora Max tentasse manipular a situação
dentro do museu, nenhum dos dois tinha idéia de como essa imagem
poderia ser distorcida pelas forças externas.
A princípio Max consegue o que quer: passa
ao público a imagem de um homem aflito por dar a sua família
condições de sobrevivência, explorando a empatia da
população. Contudo, quando a rede nacional toma conta da
reportagem, a coisa muda de figura. Não importa qual a seja a história
contada, se ela for ao ar, será a que todos acreditarão.
Sam é transformado num bandido da pior espécie e Max é
transformado em cumplice e mentor. Para isso, o antigo desafeto de Max,
o âncora Hollander, conta com a ajuda da assistente de max, seduzindo-a
com uma promoção. A competitividade no meio jornalístico
é exposto cruamente. Daí para a tragédia é
apenas um passo.
O escritor Tom Matthews, um ex-jornalista e publicitário
de Hollywood, começou a escrever o script para Quarto poder em 1993,
inspirado num caso Branch Davidian, ocorrido em Waco, Texas. Como o evento
prolongou-se por semanas, os jornalistas eram forçados a produzir
algo novo, e a cobertura ia além dos fatos, numa constante entrega
de rumores e especulações.
A televisão ao vivo, com seu imediatismo e
impacto é particularmente devastadora. A tecnologia permite a qualquer
um ficar na frente de uma câmera ao vivo e falar ao mundo inteiro,
que irá escutá-lo. Estarão eles nos entregando a verdadeira
versão dos fatos, ou haverão outras intenções
por trás?
Em Quarto Poder vemos como uma pessoa pode ser levada
da condição de criminoso para herói e vice-versa.
Apesar de crianças estarem sendo usadas como reféns, a maneira
como a história é conduzida na TV envolve a audiência,
que vibra com o entretenimento.
O que há de mais importante no filme é
a mensagem de que podem haver diferentes verdades para uma mesma história
e que, como se vê no filme, a divisão entre certo e errado
não é tão simples como às vezes aparenta ser.
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